Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2025
Guiné 61/74 - P26411: Parabéns a você (2345): Rogério Freire, ex-Fur Mil Art MA da CART 1525 (Bissorã, 1966/67) e Virgínio Briote, ex-Alf Mil Cav da CCAV 489 e Alf Mil CMD, CMDT do Grupo de Comandos "Os Diabólicos" (Cuntima e Brá, 1965/67)
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Nota do editor
Último post da série de 21 de Janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26407: Parabéns a você (2344): João Graça, médico psiquiatra, nosso Grã-Tabanqueiro, filho da nossa Grã-Tabanqueira Alice Carneiro e do nosso Editor Luís Graça
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
Guiné 61/74 - P26074: (De) Caras (224): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte II: Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije (Antóno Pinto, ex-alf mil, Pirada, Madina do Boé e Béli, 1963/65)
Angola > CIC - Centro de Instrução de Comandos > 1963 > O alferes mil Maurício Saraiva em Angola, aquando da frequência do curso de Cmds; no CTIG será depois promoviodo, por mérito, a tenente e a capitão.
António Pinto, II Encontro Nacional da Tabanca Grande, Pombal, 2007 |
Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije
(...) A memória já me vai traindo um bocado, mas há momentos que jamais poderei esquecer e com certeza que me acompanharão para sempre.
Sobre Madina do Boé, estive lá no 2º ano de comissão, lembro-me que fomos os primeiros a lá chegar e montar o 1º aquartelamento que ficou ao fundo da estrada, onde havia uma escola desactivada.
Há um episódio, no entanto, entre vários, que me marcou bastante. Vou tentar resumi-lo:
Uma tarde estávamos no destacamento, quando, de repente, ao fundo da tal estrada vimos chegar, com grande alarido, dois ou três jipes com uma velocidade inusitada e alguém aos gritos, que só conseguimos entender quando chegaram à nossa beira.
O que não posso esquecer é o pedido que um dos nossos soldados fez para substituir o condutor duma viatura, salvo erro, uma Mercedes, argumentando que, sendo ele pequeno ( e era-o de facto), se uma mina rebentasse, ele saltava com mais facilidade, pedindo só para deixar tirar a capota da viatura. Não me recordo do nome dele mas vejo-o constantemente...
Essa patrulha, em que não participei, pois o Saraiva não o permitiu, foi atacada, após o rebentamento de minas. Morreram vários camaradas nossos, entre eles o referido condutor, que teve uma morte horrorosa.
Alguns desses camaradas deixaram este mundo nos meus braços e nos do médico que, na altura, estava conosco e que é por demais conhecido - o Luiz Goes, que todos conhecem, com certeza, pelos seus fados de Coimbra.
Este foi um dos momentos mais dramáticos que vivi na Guiné, para além de outros, especialmente em Beli, onde fui ferido (....)
(*) 11 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25832: (De) Caras (308): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte I: O "capitão Manilha", por Virgínio Briote (ex-alf mil cav, CCAV 489, Cuntima; e ex-alf mil 'cmd', Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67)
(**) Vd. poste de 6 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11531: As Nossas Tropas - Quem foi quem (12): Maurício Leonel de Sousa Saraiva, ex-cap inf comando (Brá, 1965/67) (Luciana Saraiva Guerra)
Foi ele, o Saraiva, que como tenente me convidou a concorrer aos comandos e, dois meses mais tarde, como capitão, foi meu director de instrução.(..:)
quarta-feira, 21 de agosto de 2024
Guiné 61/74 - P25862: O segredo de... (44): Aos 70 anos, comecei a ficar farto da guerra (Torcato Mendonça, 1944-2021)... Um "segredo póstumo" que chega ao blogue por mão da Ana Mendonça e do Virgínio Briote
Fotos (e legendas): © Torcato Mendonça (2007) Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem. com data de 19 do corrente, do Virgínio Briote: (i) nosso coeditor jubilado; (ii) ex-alf mil cav, CCAV 489 (Cuntima) e ex-9alf mil comando, cmdt do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67); (iii) frequentou a Academia Militar (1962/64); (iv) autor do blogue, desativado (a partir de 2009), Guiné, Ir e Voltar - Tantas Vidas (recuperado pelo Arquivo.pt em 25/9/2009).
Comecei ontem a limpeza e arrumação e foi durante esta operação que encontrei um escrito do Torcato Mendonça, nosso saudoso Camarada. Este breve escrito, que é talvez mais um desabafo, foi-me enviado pelo correio pela Ana Mendonça, sua Mulher, que ainda hoje, fala com muita saudade do seu Torcato. Não sei mas imagino que a Ana M. deve ter encontrado este rascunho nalguma limpeza que tenha estado a fazer.
Segue-se o texto, tal como está, sem qualquer correcção da minha parte. Vb
Foto nº 12 |
É um rapaz que se deixa fotografar e fotografa aquela loucura ou, porque não, a loucura dele a aparecer. Melhor, se houvesse uma listagem cronológica.
Mansambo era mato e, aos poucos, foi sendo um aquartelamento. Quadrado com, mais ou menos, cem por cem metros, oito casernas, abrigos e mais uns edifícios sem qualificação de nome, mais tarde onde era a cozinha, a arrecadação disto ou daquilo, a enfermaria, ou os abrigos dos obuses 10.5 (Foto nº 9), atrás da tabanca com uma dúzia de
moradores.
Aquilo ficou fortemente gravado e não passou. Éramos, meu caro Virgínio, uns rapazes na força da nossa juventude (Fotos nºs 1, 3, 6, 8). Hoje já batemos os 70 e tentamos ir saltando um, dia de cada vez (Foto nº 5).
E, já num tom intimista, só para ele mesmo (**): começo a ficar farto da “guerra” aonde participei e que outros participaram. Parece-me qua andaram por lá e só hoje vão compreendendo o que era aquela Guerra.
(Transcrição: VB / Revisão e fixação de texto: VB / LG)
2. Comentário do Virgínio Briote ao poste P15299 (*)
Torcato:
Das inúmeras imagens que vi daqueles anos da guerra, em Angola, na Guiné, em Moçambique, as que mais me despertaram a atenção até hoje foram as que te pertencem.
E se me pedissem para dar um título a esse álbum, eu escolheria "Apocalipse". Porquê? Porque, tal como no filme 'Apocalipse Now". de Coppola, vejo um mundo do "outro mundo". Loucura, inocência, violência, rostos falsamente alegres de jovens sorridentes, um mundo surreal.
28 de outubro de 2015 às 21:48
(...) "Sim, mudei muito"! Digo-te porquê. Antes de ser militar, fui estudante e nalguns intervalos fiz 'diversos'. Caçado, sem esperar, pela tropa, aí talvez na especialidade comecei a sofrer uma metamorfose. Aos poucos, e já mais na Guiné, o rapaz alegre e 'bon vivant' foi-se ou, porque não, apagou-se mesmo. (...)
Quando vim, nada ou muito pouco restava do outro. Deram-me várias opções de escolha de vida.
Fui sentindo os anos passarem por mim, os meus filhos crescendo. A guerra estava guardada e, de quando em vez, saltitava para o presente e depois de amansada ia-se. Tratava-a com cuidado e sentia que nunca mais voltara de todo, em grande parte talvez. Nem isso. Fisicamente fui envelhecendo, como é natural. Apressado por “aquilo” e pelas cicatrizes físicas.
Optei, já o tinha feito em parte, e deixei a adaptação correr. O meu mentor, o meu companheiro- amigo, esse meu melhor amigo, esse homem que me deu o ser e muito saber, um dia morreu-me. Chorei nesse dia e compreendi que ainda sabia chorar. Mas tinha mudado muito.
Mais forte, a parte psicológica foi de certeza a de estabilização mais difícil. Nunca estabilizará. Por isso hoje, velho aos 70 anos, com a saúde (ou falta dela) a mostrar os rombos na carcaça nada tem a ver com a hipotética entrada normal na velhice. (...)
4. Comentário do editor LG (a propósito do Poste P15299 (*) e deste "segredo póstumo" do nosso muito querido e saudoso Torcato Mendonça (****):
É material, de grande interesse documental, não só para alimentar e desenvolver as nossas memórias como para enriquecer o acervo dos que hão de fazer, com rigor, honestidade, isenção e objetividade, a história daquele período de Portugal (bem como da Guiné-Bissau)...
Enfim, a par das nossas memórias escritas, é um material que andamos, há anos, desde pelo menos 2004, a tentar salvar das garras do esquecimento, do abandono, da destruição, dos alfarrabistas, da incineradora e do caixote do lixo...
Um desses álbuns, que veio enriquecer a fototeca da Tabanca Grande foi o do Torcato Mendonça (1944-2021), ex-alf mil art, CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69), senador da nossa tertúlia, e um dos mais ativos e produtivos colaboradores do nosso blogue (com cerca de 265 referências). Foi também, de há muito, e enquanto vivo, um dos nossos conselheiros e colaboradores permanentes.
Foi autor de várias séries:
- Pensar em voz alta;
- Ao correr da bolha;
- Estórias de Mansambo, I e II
- Nós da memória
Há muitos camaradas, mais novos, "periquitos" no blogue, que não puderam na devida altura acompanhar a sua vasta produção (postes, fotos, comentários), sempre de grande qualidade e autenticidade. São hoje uma referência incontornável...
(...) Sabemos que não é "confortável" para os ex-combatentes falar, para os seus "pares", num blogue como o nosso, com a audiência que o nosso tem, sobre as "questões do foro íntimo", "ver-se ao espelho", e devolver, sob a forma de escrita, os seus "selfies", os seus "autorretratos... Ou partilhar fotos mais íntimas, retratos em grande plano, que mandávamos às esposas, às namoradas, aos pais, à família, às madrinhas de guerra... De um modo geral, preferimos as fotos de grupo... Estamos a falar dos nossos "verdes anos", à distância de meio século..
De qualquer modo, e de acordo com o subtítulo deste poste (*), quem vê caras, (nem sempre) vê corações... Daí a razão de ser desta seleção de retratos do nosso querido amigo e camarada que vivia no Fundão (embora tivesse nascido no sul, sendo de origem algarvia e alentejana). São fotos da sua coleção "Fotos Falantes II"... A numeração, arbitrária, foi nossa. Bem como a sua edição... E intencionalmente não lhe acrescentámos legendas...
domingo, 11 de agosto de 2024
Guiné 61/74 - P25832: (De) Caras (218): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte I: O "capitão Manilha", por Virgínio Briote (ex-alf mil cav, CCAV 489, Cuntima; e ex-alf mil 'cmd', Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67)
Sobre o percurso do Maurício Saraiva como 'comando' vd. os postes do Virgínio Briote sobre o historial dos Comandos do CTIG (P25362 e 25366). (*****)
Não faço parte desta peça, meu capitão, o meu grupo estava pronto às 5 para as nove, protesta-lhe nos olhos outro! O capitão, a fisgá-lo de lado, ainda mamam da mamã, o que me calhou, porra! Já não me lembro de mamar, outra vez o outro.
Manilha pára, vira-se de frente, olha-o de baixo para cima, dispara, ouça lá seu alferesinho de merda, você acha que não sou capaz de o pôr daqui para fora ao murro e pontapé? Vamos, meu capitão, avança o tal, preparado para tudo.
Manilha tira a boina, passa a mão pelo cabelo, três a olharem para o lado, o outro à espera. Esta, suas meninas, esta, martela o capitão, com a mão virada para o tal, é a única, a única resposta que um comando pode dar! Todos à minha frente, 20 flexões para todos, grupos incluídos.
O capitão Manilha, promovido a capitão por distinção, até então o único vivo com a medalha de valor militar em ouro, mais duas cruzes de guerra, tinha metido o chico , estava em Lisboa na Academia Militar. Aproveitara as férias, viera a Bissau dar-lhes instrução operacional, e saíra com eles para o mato durante o curso de comandos para oficiais e sargentos na Guiné.
Foi um dos fundadores dos comandos da Guiné. Tinha estado em Angola, com o alferes Justo dos Camaleões, os irmãos R. Dias, o Mirandela e outros. Depois formou o grupo dos Fantasmas e com ele percorreu a Guiné de lés a lés. Ficou famoso pela forma como encarava a guerra, como se fosse uma brincadeira de garotos. Fazia que retirava, dava às vezes até sinais de fuga descontrolada, como se quisesse animar o IN a mostrar-se confiante. Escondia-se com o grupo, paciente, uma ou duas horas se fosse preciso. E depois, Fantasmas ao ataque! Uma série de êxitos coroavam-no e era objecto de mal disfarçada homenagem, numa altura em que a regra era ver as NT recolhidas a posições defensivas.
Mas nem sempre as coisas correram bem. Tanta intrepidez e desafio também lhe trouxeram problemas.
Novembro de 64, dia 28. Na estrada de Madina do Boé para Contabane, a uma escassa centena de metros do pontão sobre o rio Gobije, os Fantasmas detetaram uma mina anti-carro. Levantaram a mina e simularam o rebentamento. Ficaram emboscados nas proximidades cerca de 2 horas. Viram um grupo IN aproximar-se e afastar-se logo que deram pela presença de mulheres na estrada. Uma hora depois viram um elemento IN a fugir. Afinal, estavam em igualdade de circunstância, todos sabiam da presença uns dos outros.
No dia seguinte voltou com o grupo ao local. Meteu-se com alguns soldados no Unimog mais pequeno à frente, e encaixou dezasseis militares no Unimog maior atrás. A 1ª viatura passou, a outra, uma dezena de metros atrás, não. Pisou uma mina. Ao mesmo tempo que em cima deles caía uma chuva de balas de armas automáticas, o Unimog incendiou-se e as munições explodiram como foguetes num arraial minhoto. Quase todos os homens foram projectados a arder. 7 mortos logo ali e três feridos graves. Tinham partido 22 de Bissau, regressaram doze. Com o grupo dizimado, poucos dias depois arrancou com os restantes para uma operação.
Quando o capitão Manilha entrou em Brá apresentaram-lhe os novos que estavam a frequentar o curso e pessoal já bem conhecido dele, o capitão Varela, o sargento M. Dias, os furriéis Mirandela, Moita, Matos, Fabião, o João Uva, o cabo Marcolino, os soldados, Mássimo, Camará, Mamadú... Dos novos conhecia alguns, e aos outros tinha algum tempo à frente para os ver trabalhar no mato e depois veria se lhes entregaria o crachá.
Passava a vida a pô-los em sentido. Uma volta na conversa e lá vinha o Nino à baila. O Nino, estão a olhar para mim? O Nino, que porra, estes gajos são todos surdos? O Nino , ele a insistir e os alferes com falta de entendimento. Sentido, porra! Aqui nos comandos quando se fala no Nino, toda a macacada, vocês também, saltam como uma mola, estejam onde estiverem, não interessa, põem-se a pé! Em sentido, porra!
E foi assim que se fez escola, dali para a frente, sempre que alguém pronunciava o nome do Nino, os outros punham-se em sentido.
Uma vez, em Biambi, na zona do Oio, uma tempestade como não havia na memória deles, tinha partido o grupo em dois, aí pela uma da madrugada, noite negra como só em África quando o céu está todo tapado. Um, sozinho, lá encontrou o trilho depois de andar a tactear o chão. Daqui não saio, vou-me mas é sentar!
A chuva não parava, pareciam pedras grossas, faziam tanto barulho no camuflado que até sentiu medo que o denunciassem. Ainda bem que só tinha as cuecas debaixo, menos peso para carregar. Nada de sinais, nem de trás nem da frente.
Esta é boa, onde é que os gajos se meteram, que…assobiou baixo, a imitar o pássaro que afinaram no curso. Nada de respostas, minutos a passar, chuva em barda. Estou frito, estou mesmo perdido, o coração como um cavalo a galope, até sentia calor, olhava para todo o lado não via nada, nem pirilampos, nada, só ouvia o barulho da água a bater-lhe. E agora, o que faço?
Eles hão-de dar pela minha falta, não me vão deixar aqui. E se não derem? Calma, esperas pelo nascer do dia, viras as costas ao Sol, a corta mato, sempre em frente, até á estrada Mansoa-Bissorã, escondes-te, há-de aparecer uma coluna um dia destes, quase todos os dias passam. Depois é só saltar para a estrada e pronto. E se a guerrilha te vê, o que é que fazes? Minutos a durarem horas, o coração outra vez.
Um pequeno som, pareceu-lhe, serão eles, ou estarei a sonhar? Um assobiar baixinho. É isso, são eles, nunca mais vinham, assobia também, assobios cada vez mais próximos, uma mão, o Mássimo, o Manilha atrás. Então e os outros? O Manilha, danado, a bufar, e os outros? Mássimo à frente a assobiar, dentro do trilho, foram andando para trás, mãos no cinturão do da frente. Encontraram o capitão Varela e o Vidraças, os dois sentados, costas com costas. Nabos, a dormir na forma, ah?
No outro sábado o Manilha encontrou-os todos sentados, tinham acabado de almoçar na messe de Brá. E o programa para hoje, qual é? Um a dizer vou até Bissau espairecer, outro vou mas é dormir com a cama, a correspondência a preocupar o Duque, o outro, sei lá? Ele arranjava um melhor! Que se preparassem. Levou-os para o aeroporto, os motores já quentes do Dakota pronto para descolar.
Foram para leste, Nova Lamego, Canquelifá. Chegaram o Sol a ir-se. Esperaram fechados dentro do avião, os motores parados. Abriram-lhes as portas, entraram directos para uma GMC com a lona corrida. Meteram-lhes lá dentro queijo partido aos bocados e pão. O Manilha, gargalhada baixa, a pedir os cantis, para encher de água fresca.
O meu não precisa, está cheio até cima, nem se ouve, mesmo que o abane, diz um. Passa, o Manilha a insistir. Que a marcha ia ser longa, cerca de 20 km, e a água vai ser decisiva. Ouçam bem, só bebem quando eu der sinal, todos a beber ao mesmo tempo.
Carvão negro na cara e nos braços, pareciam manjacos e mandingas. Pôs-se o sol, meteram-se no mato, dois a dois, trilhos fora, quilómetros e quilómetros, a noite toda.
Comandos ao ataque, o Manilha desalmado a gritar, como gostava de começar o dia! Fizeram-se a eles, por ali dentro, as casas de mato com 2 ou 3 gajos que nunca lhes tinham sido apresentados, a pisgarem-se. Depois, um deles passou à história. Da gargalhada. Quando sentiu os projécteis de uma metralhadora pesada inimiga a bater na árvores, até disse para os outros, olha a NT a apoiar ! Os outros a rirem-se, uma força danada dentro deles. No caminho do regresso lembraram-se da genica que sentiram, estamos numa forma do caraças, não estamos?
Nunca souberam donde tinha vindo tanta gana, se calhar tinha sido quando o Manilha, finalmente, autorizou meterem água, devia ter vitaminas. A certa altura do caminho de retirada, começaram a ficar sem forças. Estranharam, nunca lhes tinha acontecido, não acertavam com o trilho, não era só um, eram todos. Menos o Manilha. Alguns paravam, encostavam-se às árvores, queriam sentar-se, os olhos para cima. Quem parar fica para trás, o Manilha lá à frente, na esgalha.
Em Canquelifá, uma cerveja gelada, boca abaixo, duma vez só. Alguns só acordaram com os motores do Dakota e um ou dois nem assim. A caminho do avião, pareciam zombies, em coluna por um, pelo campo fora.
Da outra vez, mandou tapar-lhes os olhos com algodão, fita adesiva e um lenço negro por cima. Só tiram os lenços e o adesivo quando eu mandar! É para ver se adivinham para onde vamos passar o fim-de-semana!
Viaturas pela estrada fora, para onde havia de ser, para o Oio. Quando entraram em Mansoa, pararam. Então, quem é amigo? Para onde vamos então? Toca a tirar os lenços, olhos e ouvidos bem abertos agora! Foram por ali fora até Bissorã. A mesma história do queijo e do pão, uma cerveja para cada um, cantis cheios de água, por aqueles trilhos, a noite toda.
Um cigarro agora é que sabia bem! Pois, também a mim me apetecia estar na praia de Carcavelos, ao sol com a miúda, os ouvidos dele em todo o lado! Fumas no fim do fogo! O dia clareou, estavam no sítio certo, as casas deles em frente. Os guerrilheiros é que faltaram à chamada naquela altura. Não saímos daqui enquanto os gajos não aparecerem, o Manilha a provocá-los.
Vieram mais tarde, quando já não dava muito jeito, mas arranja-se sempre qualquer coisa, que remédio. Um daqueles alferes integrado na equipa do furriel Moita, apanhado num campo de mancarra, pouca coisa para se abrigar, ou estava com pressa de regressar a Bissau, ou tinha visto no cinema uma cena parecida, chateou-se, aqui vou eu, quem quiser que venha. Quis lá saber da parelha e da equipa, meteu-se por aquelas casas de mato dentro. Depois ficou lá dentro sozinho, sem saber bem o que fazer. Os companheiros daquele fim-de-semana encontraram-no a olhar para o ar, para os ramos das árvores a abanarem com as balas. Estes gajos nunca mais aprendem, porra! 20 flexões aí já, o Manilha oportuno como sempre! (...)
Agora sim, podem fazer fogo com o isqueiro, toca a fumar! (...)
[Seleção / Revisão e fixação de texto / Negritos e itálicos / Título: LG]
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Notas do editor:
9 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25362: Trabalho sobre a formação dos Comandos na Guiné, publicado na Revista da Associação de Comandos, MAMA SUME - Parte I (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando)
segunda-feira, 29 de julho de 2024
Guiné 61/74 - P25790: Para bom observador, meia palavra basta (5): Complementar os dizeres do aviso... "É PR...MAR. | "N...NG."
Angola > Luanda > 1963 > Em primeiro plano, o fur mil 'comando' Mário Dias; em segundo plano, da esquerda para a direita, o fur mil Artur Pereira Pires, o sold Adulai Jaló e o alf mil Justino Coelho Godinho (estes três últimos já falecidos). No aeroporto de Luanda à espera de transporte para o QG / CTIG. O primeiro grupo de Comandos do CTIG, sob o comando do alf mil Saraiva, participaria depois na Op Tridente (jan-mar de 1964). Foto cedida por Vassalo Miranda, ex-fur mil, Gr Cmds ‘Panteras’ (*).
Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
1. É verdade que, para meio observador, meia palavra basta (*) ? Se sim, aqui fica um passatempo de verão...
Caros leitores: depois de uma análise atenta da foto (e legenda) acima, ajudem a completar os dizeres do aviso afixado na parede que as pernas do fur mil Artur Pereira Pires encobrem parcialmente:
"É PR...MAR | N...NG"
Dão-se... "alvíssaras"|
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 20 de junho de2024 > Guiné 61/74 - P25665: Para bom observador, meia palavra basta (4): Partidas e chegadas... no Cais da Rocha Conde de Óbidos (Fotos do álbum de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), comandnate da TAP reformado... e pai da "prquens (em 1964) Pula Cristinaquarta-feira, 10 de abril de 2024
Guiné 61/74 - P25366: Trabalho sobre a formação dos Comandos na Guiné, publicado na Revista da Associação de Comandos, MAMA SUME - Parte II (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando)
"Os Comandos na Guiné", artigo da autoria do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando, publicado na Revista MAMA SUME, da Associação de Comandos, e enviado ao Blog no dia 22 de Março de 2024:
Resumo sobre a História dos Cmds do CTIG[4]
I. Cronologia
˗ Partida, em 29 de Outubro de 1963, para Angola dos Oficiais, Sargento e Praças, do CTIG, a fim de frequentarem um curso de Comandos, no C.l.16 na Quibala - Norte:
˗ Maj. Inf.ª Correia Diniz
˗ Alf. Mil. Maurício Saraiva
˗ Alf. Mil. Justino Godinho
˗ 2º Sarg. Inf.ª Gil Roseira Dias
˗ Fur. Inf.ª Mário Roseira Dias
˗ Fur. Milf. Cav. Artur Pereira Pires
˗ Fur. Milf. Cav. António Vassalo Miranda
˗ 1º Cb. At. Inf.ª Abdulai Queta Jamanca
˗ Sold. At. Inf.ª Adulai Jaló
Em 3 de Agosto de 1964, início das actividades do CIC/Brá, com a Escola de Quadros para dar instrução ao 1.°Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964.
Deste curso saíram os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram actividade operacional na Guiné até Julho de 1965:
˗ "Camaleões": Alf. Mil. Cmd Justino Godinho (Cmdt)
˗ "Fantasmas": Alf. Mil. Cmd Maurício Saraiva (Cmdt)
˗ "Panteras": Alf. Mil. Cmd Pombo dos Santos (Cmdt)
Militares seleccionados para o GrCmds na op. Tridente:
˗ Alf Mil Pombo dos Santos, do PelAA 943 (juntou-se ao GrCmds no Como, já depois do início da op "Tridente")
˗ 1º Cabo Marcelino da Mata, da 1ª CCaç (idem)
˗ Soldado 1/63 António Paulista Solda
˗ Soldado 75/63 J. Ramalho Godinho, da CCav 487
˗ Soldado 235/63 S. Conceição Veiga, da CCav 488
˗ Soldado 749/83 J. Firmino Martins Correia, da CCav 487
˗ Soldado 674/63 António Gomes, da CCaç 510
˗ Soldado 338/63 Francisco da S. Duarte, da CCaç 510
˗ Soldado 194/63 Joel António Pereira, da CCaç 487 (regressou à Cª, após o final da op. “Tridente”)
˗ Soldado 225/63 Maurício Romão Conceição, da CCav 488 (idem)
˗ Soldado 221/63 J. Trindade Cavaco, da CCav 487
˗ Soldado 598/63 Manuel Martins da Cunha, da CArt 494
˗ 1º Cabo foto-cine Celestino Raimundo, da CCS/QG/CTIG (evacuado Mai64 devido a acidente em serviço, para o H.Militar de Belém. Foto-cine ao serviço da 3ª Rep/QG, encarregado da cobertura da operação, juntou-se ao GrCmds e a ele se devem as poucas imagens da referida operação).
II. Comandos do C.T.I.Guiné: efemérides
˗ 23/7/64: início das actividades do Centro de Instrução Comandos em Brá.
˗ O CIC/Brá, sob o comando do Maj. Inf.ª Cmd Correia Diniz, recebeu do CIC de Angola, para a formação de quadros, os seguintes militares:
Ten. Mil. Cmd Abreu Cardoso
Alf. Mil. Cmd Luís Câmara Pina
2.º Sarg. Infª. Cmd Ferreira Gaspar
Fur. Mil. Cmd Pompílio Gato
1.º Cb. Cmd Pires Júnior (Pegacho)
1.º Gr. Cmds "GATOS" / BART 400, comandado pelo Alf. Mil. Cmd Martins Valente
Estes elementos participaram nas primeiras acções conjuntas com os grupos acima referidos.
˗ 3/8/64: início da Escola Preparatória de Quadros.
˗ 24/8 a 17/10/64: Iº Curso de formação dos GrsCmds (Camaleões, Fantasmas e Panteras
˗ 20/10/64 a Junho de 1965: actividade operacional dos GrsCmds.
˗ 1/7/65: extinção do CIC de Brá.
˗ Para dar continuidade à formação de Grupos de Comandos, foi criada a Companhia de Comandos do CTIG (CCmds/CTIG), tendo sido nomeado seu comandante o Cap. Art.ª Nuno Rubim, substituído em 20 de Fevereiro de 1966 pelo Cap. Art. Garcia Leandro.
˗ 24/05/65 a 22/06/65 : IIº Curso da Escola de Quadros do C. I. Comandos.
˗ O 2º.Curso de Comandos teve início em 07 de Julho de 1965, terminando em 04 de Setembro, com a formação de 4 Grupos de Comandos, que tomaram os nomes:
"Apaches": Alf. Mil. Cmd Neves da Silva (Cmdt)[5]
"Centuriões": Alf. Mil. Cmd Almeida Rainha (Cmdt)
"Diabólicos": Alf. Mil. Cmd Silva Briote (Cmdt)
"Vampiros": Alf. Mil. Cmd Pereira Vilaça (Cmdt)[6]~
˗ Set. 65 a 30/6/66 : actividade operacional dos grupos.
˗ 20/2/66: nomeado o capitão Artª Garcia Leandro para Comandante da CCmds.
˗ Com a chegada à Guiné da 3.ª Companhia de Comandos, vinda do CIOE - Lamego, a CCmds/CTIG foi extinta em 30 de Junho de 1966, mantendo-se em actividade o Grupo de Comandos "Diabólicos", até finais de Setembro de 1966, data em que a maioria dos militares que o integravam terminaram a sua comissão de serviço.
III. Militares naturais da Guiné que fizeram parte dos Grupos de Comandos iniciais (1964/1966)
1.º Cabo Braima Seidi, da BAC
1.º Cabo Tomaz Camará, da CCS/QG
1.º Cabo Marcelino da Mata, da CCS/QG
Sold. Momo Camará
Sold. Lifna Cumba
Sold. Bacar Jassi
Sold. Gouveia Yalá
Sold. Mamadu Jaló
Sold. Justo Orlando Nascimento
Sold. Pedro Costa Malan Sani
Sold. Raul Manuel Gomes
Sold. Bacar Mané
Sold. Mamadu Bari
Sold. António Mamadu Saboli Camará
Sold. Augusto Alfredo de Sá
Sold. Braima Bá
Sold. Adriano Sisseco
IV. Resultados da Cª Cmds da Guiné (23/08/64 a 31/08/66)
˗ Efectivos envolvidos: 211
˗ Mortos em combate: 12
˗ Feridos em combate: 19
˗ Acções realizadas: 113[7]
Gr. “Fantasmas”: 21 operações
Gr. “Camaleões”: 9
Gr. “Panteras”: 11
Gr. “Apaches”: 14
Gr. "Centuriões": 12
Gr. “Diabólicos”: 24
Gr. “Vampiros”: 14
˗ Armas apreendidas: 71
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Notas de VB:
[4] - In Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961/1974); 14º Vol. “COMANDOS”
[5] - Razões familiares obrigaram o alf. Neves da Silva a deixar o comando do grupo, sendo substituído pelo Sarg. Mil. Mário Dias
[6] - Inoperacional por motivos de saúde após 7Set1965, sendo substituído pelo Furriel Mil. Moura dos Santos e mais tarde pelo alf. Mil. Vítor Caldeira
[7] - Total de operações, incluindo acções executadas apenas por oficiais e sargentos.
O comando militar da Guiné lançou a operação Tridente. Uma operação com o objectivo de limpar as ilhas de Caiar, Como e Catunco, que ficavam no sul, entre os rios Cumbijã e Tombali. A acção durou setenta e um dias entre Janeiro e Marco de 1964 e nela foram utilizados praticamente todos os recursos militares, na altura, disponíveis na Guiné.
A força de “Comandos”, ainda a nascer não foi poupada, e um grupo foi formado com oito dos nove que tinham sido treinados em Angola a que se juntaram mais treze militares que ainda não tinham recebido instrução de “Comandos”. O grupo de “Comandos” foi integrado na força terrestre para a operação, que incluiu três destacamentos de fuzileiros, um pelotão de para- quedistas, um pelotão de artilharia, três companhias de cavalaria e um pelotão de infantaria africana, sob o comando de um oficial de cavalaria, o tenente- coronel Fernando Cavaleiro. Durante a operação, o grupo de “comandos” teve um desempenho que mereceu destaque, sem sofrerem baixas.
Depois da op. Tridente, o comando militar autorizou a abertura de um Centro de Instrução de Comandos, num aquartelamento em Brá, , uma aldeia localizada a meio caminho entre Bissau e o aeródromo principal em Bissalanca ao norte, que foi oficialmente inaugurado em Julho de 1964 sob o comando do major Correia Dinis, um dos militares que tinham recebido instrução em Angola. O CIC da Guiné teve muitas dificuldades para obter o apoio necessário e não pôde dar a formação requerida. Em Dezembro desse ano, um frustrado Correia Dinis levantou a questão ao Comandante-em-Chefe, pois não havia livros, maquetes de instrução, ou qualquer outro material de apoio. Não havia veículos, nem armas para praticar pontaria, não havia munições, granadas de mão nem explosivos, e assim por diante. Também era importante ter armas capturadas para instrução. Eventualmente, alguns desses problemas foram sendo resolvidos, mas tudo à custa de um tempo precioso e de enorme esforço.
A instrução e a administração no CICmdss acompanharam o CIC em Angola e seguiram o que agora se tornou uma rotina padronizada. A preparação dos instrutores do CIC levou treze semanas e começou em Junho de 1964, após a conclusão da Tridente. No final do curso de instrutores em Agosto, participaram na operação Alfinete em que o grupo executou um ataque a um acampamento PAIGC de oito barracas no mato da floresta Oio da aldeia de Santambato. Isso completou a formação e o primeiro curso de comandos formal teve início rapidamente no mesmo mês. Sairam deste curso três grupos de “Comandos” depois de oito semanas de instrução, e como era agora tradição cada grupo adoptou um nome: Fantasmas, Camaleões e Panteras.
Após o primeiro curso, o número de instrutores do CIC foi aumentado em cinco, dois da metrópole e três de Angola, em preparação para o segundo curso. O aumento adicional foi solicitado e recebido de Angola sob a forma de um grupo, os Gatos, que tinha sido treinado um ano antes e tinha já uma considerável experiência de combate. Este grupo realizou uma série de operações com instrutores para os orientar em operações de “comandos”.
O segundo curso começou em Junho de 1965 e durou oito semanas e dele saíram quatro grupos: Apaches Centuriões, Diabólicos e Vampiros.
Na conclusão deste segundo curso, houve uma reavaliação da organização dos “comandos” na Guiné, e o comando militar decidiu criar uma Companhia de “comandos” autónoma. Devido aos requisitos específicos para os “comandos”, pensou-se que seriam mais eficazes em vez de fazerem parte de uma estrutura regular de tropas. A instrução avançada, o ethos (hábitos ou crenças que definem um grupo), o trabalho em equipa e a moral eram muito diferentes do “mainstream”, e a separação era indispensável para preservar a diferença que os “comandos” tinham.
Assim, a partir de Novembro de 1965, Brá passou a ser o aquartelamento da Companhia de Comandos, que foi formada pelos grupos existentes. Houve resistência a este movimento por parte dos comandantes de batalhão que anteriormente tinham fornecido os militares e agora se viam obrigados a renunciar à valiosa capacidade dos grupos. No entanto, no início de 1966 começaram os preparativos para o terceiro curso em Brá e deu-se início ao recrutamento. O curso começou em Março e, como os anteriores, durou o período de oito semanas.
Alguns dos grupos estavam então fortemente engajados e sofreram baixas significativas. O preço do combate foi reduzindo o seu número, uns por doença e outros por baixas em combate, e enquanto o terceiro curso iria aliviar um pouco a situação, a integridade dos grupos foi ameaçada. Os Apaches, Centuriões e Vampiros acabaram por ser dissolvidos, e os seus sobreviventes juntaram-se num grupo, os Diabólicos. Estes estiveram fortemente envolvidos em torno de Mansoa e Jugudul e acabaram por sofrer o mesmo destino em finais de Agosto.
Os vários grupos estiveram na vanguarda da acção de combate desde a sua organização, sempre sob as circunstâncias mais desafiadoras e perigosas, e demonstraram grande coragem. Com a sua dissolução, terminou a primeira fase da história dos Comandos na Guiné. Em fins de Junho de 1966, a 3.ª CCmds, formada em Lamego, desembarcou em Bissau. Esse desdobramento de “Comandos” iria abrir uma nova fase da guerra e, como se quisesse assinalar isso, os seus homens usavam uma boina camuflada. Os Comandos na Guiné acabariam por se estender a doze companhias, três das quais africanas.
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Nota do editor
Vd. post anterior de 9 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25362: Trabalho sobre a formação dos Comandos na Guiné, publicado na Revista da Associação de Comandos, MAMA SUME - Parte I (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando)
terça-feira, 9 de abril de 2024
Guiné 61/74 - P25362: Trabalho sobre a formação dos Comandos na Guiné, publicado na Revista da Associação de Comandos, MAMA SUME - Parte I (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando)
"Os Comandos na Guiné", artigo da autoria do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando, publicado na Revista MAMA SUME, da Associação de Comandos, e enviado ao Blog no dia 22 de Março de 2024:
As chefias militares da Guiné cedo se aperceberam que havia necessidade de se dispor de uma tropa que fosse capaz de fazer a contraguerrilha, móvel, aligeirada, com pequenos efectivos, autónoma e agressiva, uma tropa diferente.
Uma tropa que, aliás, já estava a dar provas em Angola. Foi em Quibala, no norte de Angola, que foram preparados os primeiros grupos de “Comandos”.
Em Julho de 1963, o Comando-Chefe da Guiné solicitou à Região Militar de Angola que recebesse e formasse um pequeno grupo de militares. Na mesma altura, foi enviada uma circular para todos os batalhões estacionados na Guiné, convidando oficiais e sargentos a oferecerem-se como voluntários para os “Comandos”.
Muita gente se ofereceu. Depois das selecções foram escolhidos para o curso em Angola, o major Correia Dinis, os alferes Maurício Saraiva e Justino Godinho, os sargentos e irmãos, Roseira Dias e os furriéis Vassalo Miranda e o Artur Pires. E ainda, o Adulai Queta Djamanca e o Adulai Djaló, naturais da Guiné.
(...) “A cerimónia de apresentação teve lugar no gabinete do Chefe do Estado-Maior. Fomos recebidos pelo Major Chefe da 2ª Rep, que fez votos para que, da nossa estadia em Angola, tirássemos o máximo proveito. Pôs em evidência os inconvenientes da nossa vinda naquela altura, pois tinha terminado um curso e não se sabia ainda quando teria início o próximo. Deste desencontro de datas, resultariam, naturalmente, limitações à nossa instrução.
Na manhã seguinte foi-nos exposta, com algum pormenor, a situação actual na Região Militar de Angola. Foram-nos indicadas as zonas consideradas activas, semi-activas e as pacificadas.
Cabinda, devido à localização e ao reduzido efectivo das NT e um triângulo com um vértice em Bessa Monteiro e base na região dos Dembos (Nambuangongo, Zala, Beira Baixa, etc), eram as zonas com maiores preocupações. Considerava esta última mais difícil, porque os grupos IN tinham mais experiência e mostravam-se aguerridos.
As alterações ao programa da nossa visita começaram aqui e mantiveram-se sempre, até ao fim da nossa estadia.
Tivemos uma palestra de um capitão, instrutor dos comandos. Começou por abordar a questão da disciplina:
- Slogans, dísticos humorísticos nas paredes, nos lavabos, em todo o lado, até dentro do pão.
- Uma aparelhagem sonora nas casernas e nos quartos de sargentos e oficiais.
- Alocuções de mensagens gravadas, para ouvirem sempre que estejam a descansar. Devem ser feitos testes para avaliar o grau de assimilação.
- Emulação entre os instruendos, entre as equipas e entre os grupos. Cerimónias com aparato para realçar as qualidades e os méritos dos indivíduos que mais se destaquem.
Abordou o conceito da parelha, da equipa e do grupo. Numa primeira fase, deve dar-se aos instruendos a liberdade para se agregarem como entenderem, depois as relações tendem para alguma estabilidade.
Reforçar essas amizades, estimulá-los a comerem na mesma mesa, participarem nos mesmos jogos, fazerem os mesmos serviços.
Falou depois na constituição do grupo:
1. O indivíduo que concorre aos comandos tem que estar situado entre os 20 a 30% melhores do contingente donde é originário.
2. Os comandantes dos grupos e os chefes das equipas devem situar-se entre os 10% melhores do contingente de quadros.
3. A selecção é a operação mais importante na formação dos comandos.
4. A instrução deve assumir um carácter selectivo.
5. Sendo o tiro um aspecto muito sensível, não deve haver restrições nesta instrução.
6. Todos os elementos devem ser especialistas no tiro de precisão e no tiro instintivo e todos devem estar aptos na utilização de lança-rockets.
No dia 26 de Outubro partimos para o quartel de Quibala, onde estivemos 6 dias em contacto com os 3 grupos de comandos recentemente chegados de uma operação. O tenente Abreu Cardoso deu-nos explicações pormenorizadas sobre a mesma.
Regressámos a Luanda e ficámos a aguardar o início da operação que deveria ter lugar nas margens do M’Bridge. Patrulhar as margens do rio entre as picadas de Evange e Quiaia. Uma operação de rotina.
Na 2ª operação fomos integrados no grupo de comandos do batalhão de artilharia. Montámos a emboscada nas margens do rio Loge. 3 dias. (...)
Se deste estágio na R. Militar de Angola não tirámos o máximo proveito, ele foi, pelo menos, muito útil. Útil porque das lições dos instrutores ficámos com a cabeça mais arrumada, com muitos ensinamentos que nos serão úteis se um dia viermos a ser instrutores de comandos. Útil ainda, porque do contacto que mantivemos com os grupos em operações, adquirimos experiência, vimos como aquela tropa se comporta no mato e as situações que vivemos serão para nós motivos de ensinamento.
Resta acrescentar que os oficiais da R. Militar de Angola estiveram sempre ao nosso dispor e se mais não fizeram, foi, de facto, devido à nossa visita ter sido efectuada numa altura pouco conveniente."
Considerandos, directivas e orientações. Mais de cinquenta páginas do bloco de apontamentos do estágio na R. M. de Angola do alferes Justino Godinho, um dos voluntários da Guiné.
Depois de regressarem do estágio operacional em Angola, o Comandante-Chefe da Guiné pensou em aproveitar esses militares e integrá-los nas forças que iriam executar a operação "Tridente", marcada para o início do ano de 1964.
Aproveitaram os elementos que, anteriormente, tinham respondido ao apelo de 'voluntários precisam-se para os comandos', quase todos pertencentes aos efectivos do BCav 490, a unidade base que iria executar a operação ao Como.
Havia a necessidade de reforçar os efectivos do Gr. Cmds. Para isso, sob a orientação dos “Comandos” regressados de Angola, os que se ofereceram iniciaram um curto período de instrução operacional com vista à participação na referida operação.
Constituiu-se assim o grupo que interveio na operação “Tridente”, de 14 de Janeiro a 24 de Março, nas ilhas do Como, Caiar e Catunco, integrados nas forças à disposição do Batalhão de Cavalaria 490. O comando do grupo foi entregue ao alferes Maurício Saraiva e, ao alferes Godinho, aos furriéis Mário Dias, Artur e Miranda, a chefia das equipas.
Mário Dias, um dos participantes na operação, esclarece as razões da operação:
(...) "Na ilha não existia qualquer autoridade administrativa nem força militar pelo que o PAIGC a ocupou (não conquistou) sem qualquer dificuldade em 1963. As tabancas existentes eram relativamente pequenas e muito dispersas. Possuía numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.
Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha) a Cachil. A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou em qualquer outra embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha.
Portugal não exercia, de facto, qualquer espécie de soberania sobre a ilha.
Entre 30 de Setembro e 17 de Novembro de 1964, realizou-se em Brá o 1º Curso de Comandos da Guiné[1]. Começaram cerca de 200, terminaram 78. “Fantasmas”, “Panteras” e “Camaleões” foram os nomes que escolheram para os grupos que saíram dessa formação.
E em Dezembro de 1964[2], o Boletim de Informação do E. Maior do Exército, relatava oficialmente as primeiras acções desses grupos:
Um grupo em actuação em Canjambari efectuou uma acção de muito interesse sobre um bando de terroristas, instalado a coberto do rio. Apoiados por um pelotão de auto-metralhadoras, os “Comandos” transpuseram o rio e lançaram-se ao assalto do IN, bem instalado no terreno e com bom e numeroso armamento. O IN foi desalojado, tendo deixado várias baixas no local.
Outro grupo efectuou uma emboscada na mesma região causando ao IN 2 mortos e vários feridos, tendo sido capturadas várias espingardas, pistolas-metralhadoras e granadas de mão.
Na zona de Tite, outro grupo realizou um golpe de mão a NE daquela povoação. Capturadas 8 espingardas, uma pistola-metralhadora e várias granadas de mão”. (...)
Nesse mês de Dezembro, numa reunião em Brá com os comandantes dos grupos, o Major Correia Dinis, preocupado com a aproximação das datas dos fins das comissões dos militares dos comandos, relia-lhes uma nota que endereçara ao Comandante Militar da Guiné:
"Exmº Senhor,
Por determinação de S. Ex.ª o General Venâncio Deslandes, apresentei-me na véspera do meu embarque de fim de licença na Defesa Nacional a fim de ser ouvido por aquele Exmº. Senhor.
A conversa baseou-se única e exclusivamente na organização de grupos de Comandos, seu interesse e modalidades de acção.
Para terminar, Sua Ex.ª o General mostrou-se interessado na organização de mais grupos de comandos no CTIG.
Informei que essa organização dependia não só do Centro Nacional de Instrução de Comandos em Angola, presentemente em organização, como também do necessário pessoal que deveria vir da metrópole para substituição, nos Batalhões, dos voluntários para os comandos.
Quanto a este segundo condicionamento, Sua Ex.ª esclareceu que o CTIG poderia pedir o envio desse pessoal.
No meu entender, a organização de novos grupos de comandos é da maior utilidade, tanto mais que a partir de Abril de 1965 os três grupos existentes começarão a ficar desfalcados com as desmobilizações.
Há que atender, porém, ao trabalho que o Centro Nacional de Comandos vai produzir na formação de novos grupos.
Estarão esses grupos prontos num futuro próximo e poderá o CTIG aproveitá-los em breve ou a formação desses grupos demorará ainda o bastante, que justifique como emergência, a formação de novos Grupos neste CTIG?
1º- Que com a necessária urgência se procure obter da Região Militar de Angola as seguintes informações:
a). Qual o número de grupos de comandos que em 1ª prioridade serão atribuídos ao CTIG? Ainda se mantém a Companhia como foi pedido?
b). Qual a data provável da sua apresentação neste CTIG?
2º– Em face da resposta obtida, poderá então este CTIG pensar na formação ou não de novos grupos.
Em Brá, 26 de Novembro de 1964
O Comandante do Centro de Comandos, Correia Dinis, major."
Qual a resposta? Temos ainda algum tempo à nossa frente. Abril não vem longe, mas mesmo assim, também não é demasiado tarde ainda. Leu-lhes outra, que acabara de receber, a felicitá-los pela forma como elaboraram os programas do curso:
"Comando Territorial Independente da Guiné, Quartel-General, 3ª Repartição, ao
Sr. Director do CI de Comandos, Brá.
Encarrega-me Sua Ex.ª o Brigadeiro Comandante Militar de informar V. Ex.ª que aprovou os programas da Instrução de “Comandos” que acompanharam a nota em referência e manifestar o seu agrado pelo cuidado feito pelo Director de Instrução na elaboração dos respectivos programas.
O Chefe do Estado-Maior, sarrabiscos miúdos, o nome por extenso, Tenente-Coronel do CEM".
"Por determinação do Comandante Militar, os comandantes dos batalhões em quadrícula devem não só prestar todo o apoio que lhes for pedido como também, eles próprios, devem proceder à escolha de voluntários, os quais devem dar garantias de permanência na Província pelo menos de 1 ano. Os “Comandos” não fazem qualquer outro serviço, actuam, em regra, durante 3 a 5 dias, e descansam dois ou três.
Trabalham, normalmente, em benefício dos Batalhões mas quando o CTIG o entender podem ser accionados directamente por este. (...) sarrabiscos iguais aos anteriores, o mesmo nome por extenso.
Entretanto os grupos foram-se mantendo em actividade, conforme atestam as numerosas citações de que foram alvo, apesar de actuarem com efectivos progressivamente mais reduzidos.
Para recordar os 9 camaradas mortos que tiveram numa tarde na zona de Madina do Boé, logo na semana seguinte os “Fantasmas” sobreviventes foram nomadizar para a zona do Oio. E terminaram em 6 de Maio de 1965, no sul, em Catunco, no acampamento chefiado pelo Pansau Na Isna, guerrilheiro do PAIGC que se tornou lendário.
Foi um golpe de mão como deve ser, entraram pelas barracas com o In a dormir e, como era de esperar, acordaram-nos. Retiraram eufóricos, um sucesso para finalizarem a guerra. No regresso alguém perguntou quem trazia o morteiro do inimigo. Ninguém o trazia! Duas equipas, metade do grupo, receberam ordem para o ir buscar. Voltaram para trás, ao acampamento que momentos antes tinham incendiado. Iluminados pelas labaredas, apareceram bem recortados aos olhos de alguns guerrilheiros, refugiados nas proximidades, que não tiveram dificuldade em mandar para o meio deles uma roquetada. Todos atingidos, um morto e nove feridos foi o saldo do regresso ao acampamento. A operação tinha recebido o nome de código “Ciao”.
Em Junho de 1965 começou o 2º curso de Comandos para oficiais e sargentos na Guiné.[3] E logo que terminou, começou a preparação dos novos grupos. Os nomes já estavam escolhidos, os Centuriões herdavam os sobreviventes dos Fantasmas do agora capitão Saraiva, os Apaches os dos Camaleões do alferes Godinho, os Vampiros o 4º grupo que não existia anteriormente e os Diabólicos absorviam o pessoal dos Panteras do tenente Pombo.
Notas de VB:
[1] - 23/7/64: início das actividades do Centro de Instrução Comandos em Brá. 03/8/64: início da Escola Preparatória de Quadros.24/8 a 17/10/64: Iº Curso de formação dos GrsCmds (Camaleões, Fantasmas e Panteras), com o apoio de instrutores e monitores do CI25/RMA e do GCmds "Gatos"/BArt 400/R.M Angola, que sob o comando do alferes Horácio Valente (morto mais tarde em Moçambique) permaneceu na Guiné entre 22 Set. e 28 Dez.1964, participando em três operações no sector do Batalhão de Artilharia 645.
[2] - De 20/10/64 a Junho de 1965: actividade operacional dos Grs. Comandos
[3] - Em meados de 1965 o Major Correia Diniz terminou a sua comissão tendo sido substituído pelo seu Adjunto, Capitão Varela Rubim. Nesta altura o QG decidiu extinguir o Centro de Instrução de Comandos e criar a Companhia de Comandos do CTIG com data de 1 de Julho.
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